O caso Ana Hickmann e a responsabilidade pessoal dos sócios por dívidas contraídas pela pessoa jurídica

O caso Ana Hickmann e a responsabilidade pessoal dos sócios por dívidas contraídas pela pessoa jurídica

No início desta semana, a internet foi bombardeada por comentários sobre a notícia de que a apresentadora Ana Hickmann foi agredida por seu marido, o empresário Alexandre Correa.

Segundo amplamente divulgado, a discussão envolveu questões patrimoniais ligadas às dívidas do casal e é sobre isso que vamos falar.

Isso porque a maioria das notícias traz a informação de que as dívidas seriam da empresa Hickmann Serviços Ltda., mas na verdade, não é bem assim.

1 – A Responsabilidade das Pessoas Jurídicas Limitadas

Ao constituir uma pessoa jurídica sob a forma de sociedade limitada, os sócios garantem, teoricamente, que não responderão com seu patrimônio pessoal pelos débitos da empresa.

Assim, via de regra, em eventuais Execuções movidas contra a empresa, não haverá penhora de bens dos sócios.

Porém, existem exceções a essa regra.

A lei admite que a personalidade jurídica seja desconsiderada, para atingir o patrimônio pessoal dos sócios, quando ficar provado o abuso da personalidade jurídica:

Art. 50 do Código Civil: 

“Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.”

A desconsideração é um remédio utilizado quando a dívida é exclusivamente da pessoa jurídica, diante da inexistência de bens penhoráveis em nome da empresa. Essa possibilidade representa uma resposta eficaz da legislação, aos casos em que os sócios usam o CNPJ de forma contrária ao interesse público.

Mas, apesar de eficaz, a medida toma um pouco mais de tempo dentro de um processo em que, muitas vezes, a rapidez de tramitação é que vai garantir a recuperação do crédito – pois geralmente os devedores devem a vários credores!

2 – O caso Ana Hickmann

A mídia noticiou que o casal está sendo processado por dívidas da empresa, mas na verdade, a maioria dessas dívidas é também do casal, que, no total, acumula mais de 14,6 milhões de reais em débitos de naturezas variadas, muitos deles já com acordos negociados dentro dos respectivos processos. 

Os três processos mais recentes, que estão ainda na fase de citação, foram movidos por instituições financeiras, e têm uma característica em comum: têm como base Cédulas de Crédito Bancário e trazem Ana e Alexandre também como devedores, ao lado da pessoa jurídica.

Cooperativa de Crédito, Poupança e Investimento Progresso – SICREDI Progresso 

No processo movido por essa Cooperativa de Crédito, cujo valor de R$ 2.451.840,60 (dois milhões, quatrocentos e cinquenta e um mil, oitocentos e quarenta reais e sessenta centavos), Ana e Alexandre figuram como avalistas.

A carta de citação foi expedida no dia 14 de novembro e sobre essa Execução, o empresário Alexandre respondeu à Folha de São Paulo, criticando o fato de estar sendo cobrado pelo valor total da dívida, que, originariamente, deveria ser paga em um parcelamento:

“houve uma parcela que não foi cumprida e estão pegando esse fato e colocando como se fosse um valor maior, o que não é verdade”. “uma dívida de empréstimo futura é uma dívida a pagar, há um prazo para isso e não pode ser levado para um valor presente. Não há inadimplência.”

Esse é mais um ponto que geralmente é desconsiderado pelos devedores, na assinatura dos contratos: quando ocorre o inadimplemento de alguma parcela, a dívida é considerada vencida, possibilitando ao credor exigir o cumprimento integral da obrigação.

Mas não é sobre isso que quero falar agora: o fato importante aqui é que Ana e Alexandre são avalistas nesse contrato e por isso, são solidariamente responsáveis pelo pagamento.

Eles garantiram a operação com o seu patrimônio pessoal.

Banco do Brasil

No processo movido pelo Banco do Brasil, o título de crédito também é uma Cédula de Crédito Bancário, no valor de R$ 1.051.430,44 (um milhão e cinquenta e um mil, quatrocentos e trinta reais e quarenta e quatro centavos).

Também nesse caso, a execução recaiu sobre a empresa e sobre as pessoas físicas, que garantiram o pagamento da dívida como avalistas. Até o momento, apenas o casal recebeu a carta de citação e ainda estão no prazo para pagamento.

Segundo informações divulgadas pela Folha de São Paulo, Alexandre Correa afirmou que a cobrança do Banco do Brasil é “predatória e gananciosa” e não corresponde à realidade.

Banco Safra

O terceiro processo, também recente, foi proposto pelo Banco Safra e se refere a uma outra Cédula de Crédito Bancário.

O valor da causa é de R$ 356.968,98 (trezentos e cinquenta e seis mil, novecentos e sessenta e oito reais e noventa e oito centavos) e foi pedido, na inicial, o bloqueio liminar de bens através dos sistemas RENAJUD e SISBAJUD,

A Liminar foi negada pelo Juiz, que entendeu não haver receio de dilapidação do patrimônio que justificasse a medida.

A dívida foi contraída pela empresa Hickmann Serviços e os sócios Ana e Alexandre assinaram o contrato como devedores solidários.

3 – Conclusão

A prática tem evidenciado que, no momento em que surge uma Execução contra uma empresa, muitas outras tendem a ser iniciadas, como uma reação em cadeia.

Por isso, é preciso não só agir rápido, mas também cercar-se de garantias, ainda na fase das tratativas.

A responsabilidade limitada das pessoas jurídicas faz com que seja difícil adentrar no patrimônio dos sócios.

Essa separação patrimonial deixa de existir, quando os sócios são colocados como garantidores da operação, na qualidade de avalistas.

Ao assinar como avalista em um empréstimo, a pessoa física vincula o seu patrimônio pessoal à operação, garantindo o pagamento como se fosse o devedor principal.

Assim, as chances de recebimento são infinitamente maiores, pois não haverá necessidade de esgotar previamente as tentativas de penhora dos bens da empresa, para só então pedir a penhora dos bens dos sócios.

Não há prioridade de penhora dos bens do devedor principal. A execução, nesse caso, será proposta contra a empresa e os avalistas pessoas físicas e o patrimônio que primeiro for encontrado será penhorado, independentemente de pertencer à empresa ou aos sócios avalistas, garantindo, assim, uma maior rapidez e efetividade à Execução.

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