Desafios da Advocacia e a Litigância Predatória: alguns apontamentos.

Desafios da Advocacia e a Litigância Predatória: alguns apontamentos.

Ninguém pode negar os incontáveis benefícios trazidos pela digitalização dos processos. Especialmente para a advocacia, as novas tecnologias possibilitaram uma atuação sem fronteiras, além de celeridade no trâmite processual.

Mas, como tudo na vida tem seus “prós e contras”, a litigância predatória certamente aumentou após a virtualização. Essa conclusão vem de observar os contornos que vem tomando a advocacia digital.

Em especial, as demandas propostas contra as instituições financeiras precisam de um olhar atento em relação a isso, pois essa prática ganhou espaço após a virtualização da Justiça.

É preciso deixar claro, no entanto, que a crítica nunca será em face de Advogados que investem no Digital como meio de expansão das fronteiras de seus escritórios, alcançando mais pessoas.

Aliás, não há problema algum em propor centenas de demandas com a mesma causa de pedir, desde que não haja infração ética ou fraude. A internet possibilita esse crescimento e isso não pode ser visto como algo negativo.

O que se deve combater são as fraudes.

Em todas as profissões sempre haverá pessoas que tentam obter vantagem financeira através de meios ilegais; e não há como defender, em nome de um corporativismo que só milita em desfavor dos profissionais que trabalham honestamente, colegas que usam da Advocacia para a prática de fraudes.

Casos por todo o Brasil

Conforme noticiado pelo Portal Migalhas no dia 10 de outubro do ano passado, a juíza de Direito da Vara Única de Murici/AL, extinguiu uma Ação proposta contra uma instituição financeira, por suspeita de litigância predatória.

Segundo o site, a advogada atuante no processo ajuizou 330 ações no Tribunal de Alagoas, todas elas alegando contratação fraudulenta e requerendo a nulidade dos contratos, bem como indenizações por danos materiais e morais.

Em sua decisão, a Magistrada pontuou:

“Constata-se a visível captação ilícita de clientela, falta de consentimento livre e esclarecido do suposto cliente no ajuizamento das ações, utilização indevida do direito de ação, abuso do direito de litigar, irregularidade na confecção dos instrumentos procuratórios, falta de litígio real entre as partes.”

Nesse caso, além do indeferimento da inicial, a magistrada determinou que se oficiasse à OAB/AL, para as providências cabíveis.

Em 2022, a 1ª Vara Cível de Araripina e a vara única de Ipubi/PE extinguiram 3.488 ações de um único advogado, todas elas visando a anulação de contratos de empréstimos bancários, sob a alegação de fraude.

O motivo das extinções, dentre outros, foram os  fortes indícios de captação ilegal de clientes, irregularidades nas procurações, apropriação indébita dos valores recebidos e outras fraudes processuais, como por exemplo, a classificação de todas as demandas como prioritárias, resultando em prejuízo para os demais jurisdicionados.

São diversos os casos, todos parecidos, e a maioria deles tem como alvo os empréstimos.

Por trás de tudo isso, também há vazamentos de dados, o que explicaria a abordagem, até mesmo por telefone ou whatsapp, de beneficiários do INSS com empréstimos consignados ativos.

Em outros casos, há abordagem, também de forma direta, de pessoas com financiamentos ativos, oferecendo-lhes a chance irreal de reduzir juros de seus contratos. O devedor outorga a procuração e, posteriormente, seu nome será vinculado a um processo que alega nulidade total do contrato, por fraude.

Vazamentos de Dados

No dia 1 de fevereiro, foi publicada no Diário Oficial da União uma decisão da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), aplicando sanção ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) por violação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Segundo constatado, ocorreu um vazamento de dados entre agosto e setembro de 2022, expondo milhares de segurados.

Em 2021, a empresa de segurança digital PSafe denunciou a Serasa por um vazamento de dados que expôs 223 milhões de CPFs e 40 milhões de CNPJs. O caso foi levado à Justiça pelo Ministério Público Federal e a ação segue em curso no Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Esses são apenas exemplos de fatos que podem convergir, juntamente a outros fatores, para a existência de tantos casos de demandas predatórias pelo país

Conclusão

O tema é recorrente nos tribunais e vem sendo analisado pelo STJ, STF e pelo CNJ, que possui inclusive uma comissão específica que cuida do assunto.

Essas iniciativas são fundamentais, pois antes de qualquer coisa, é preciso definir precisamente o que é a litigância predatória, evitando, assim, a utilização do termo, pelos Juízes, como barreira de contenção ao excesso de litígios.

É preciso entender que a virtualização, obviamente, abriu as fronteiras de atuação da advocacia, o que, naturalmente, vai favorecer o aparecimento de muito mais demandas do que antes.

Além disso, a própria internet faz com que toda a população tenha acesso a informações sobre os seus direitos, algo que não ocorria até alguns anos atrás.

O Poder Judiciário precisa se atualizar em relação a essa nova realidade, especialmente com o investimento em pessoal, mas isso é assunto para outra ocasião.

O que não se pode é banalizar a expressão “litigância predatória”, pois isso retira a seriedade do assunto.

O CNJ definiu a conduta como a “provocação do Poder Judiciário mediante o ajuizamento de demandas massificadas com elementos de abusividade e/ou fraude”.

Ou seja: para que seja assim classificada, a conduta deve trazer esses elementos. O excesso de demandas defendidas por um mesmo patrono, por si só, não pode ser suficiente para a imposição de sanções pela prática de litigância predatória.

Durante a 24ª Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, o ministro do STJ, Luis Felipe Salomão assim se pronunciou:

“O próprio CNJ possui uma comissão dedicada a estudar esse aspecto da litigância predatória, compreendendo o que realmente significa. Há também o contraponto de que existe uma atividade exercida regularmente que não deve ser cerceada.”

Portanto, o que proponho é uma análise racional sobre o tema, sem deixar de lado o princípio constitucional do acesso à justiça, mas com toda a seriedade, investigando e punindo profissionais que atuam de modo fraudulento, distorcendo a verdade dos fatos, usando procurações obtidas através de meios questionáveis, utilizando-se da fragilidade das vítimas e também da Justiça para a obtenção de ganhos ilícitos, em detrimento de toda a sociedade.

últimas postagens