No dia 17 de dezembro, na cidade de Goiânia, a idosa Luzia Tereza Alves e seu filho Leonardo Pereira Alves faleceram, horas depois de consumirem pedaços de um bolo comprado na Perdomo Doces, uma tradicional confeitaria, cuja conta no Instagram, conta com mais de 800 mil seguidores; possuindo 5 lojas físicas em Goiânia, Anápolis e Brasília; e mais de 200 funcionários.
Hoje já se sabe que a família foi vítima de um envenenamento criminoso, preparado após a compra do bolo, já fora do estabelecimento.
Dois dias após as mortes, a Polícia Civil já havia descartado a hipótese de intoxicação alimentar levantada inicialmente, e no quarto dia (21/12) saiu a nota oficial sobre as primeiras investigações, mas nesse tempo, o estrago já havia sido feito.
Entenda o Caso
Segundo a Polícia Civil, as vítimas começaram a vomitar e a ter dores abdominais e diarreia três horas depois do consumo da sobremesa, comprada pela ex-nora de Leonardo, Amanda Partata.
Além das duas vítimas fatais, Amanda (que hoje é a principal suspeita do crime) também consumiu o bolo envenenado, mas em menor quantidade. Leonardo começou a passar mal antes de Amanda deixar o local e chegou a ligar para ela, em seguida, para avisar do mau estar e orientá-la a buscar atendimento médico, pois pensava que o alimento estivesse estragado.
Devido às circunstâncias, a primeira suspeita da família foi de intoxicação alimentar.
Ao comunicar a morte do pai, em suas redes sociais, a médica Maria Paula Alves afirmou o seguinte: “Papai acordou, comeu um alimento comprado em um estabelecimento famoso e bem credificado, mas acabou passando mal. Vomitou sem parar, por horas, buscou atendimento médico e, quando eu soube da situação, já havia ocorrido uma série de complicações que acabaram levando a óbito. Entre o primeiro sintoma até seu último suspiro não teve nem 12 horas.”
A repercussão da postagem foi enorme. Apesar de não haver, na fala de Maria Paula, menção direta ao estabelecimento, imediatamente todos associaram os fatos à Perdomo Doces e os portais de notícias da região trataram de divulgar a notícia atribuindo culpa à doceria. Logo o caso tomou proporções nacionais.
Na segunda-feira, 18, dia seguinte aos óbitos, todas as mercadorias do mesmo lote do consumido pelas vítimas foram retiradas de circulação pela direção da empresa, que, além disso, solicitou, por conta própria, que fossem feitas inspeções, pela Vigilância Sanitária, em todas as suas unidades.
Por meio de nota oficial, a doceria informou as medidas tomadas, além de dizer que estava colaborando com as investigações.
No dia 19 de dezembro, foram veiculadas novas notícias, de que a Polícia Civil havia descartado a hipótese de intoxicação alimentar. O pronunciamento oficial, contudo, saiu apenas no dia 21 de dezembro, um dia após a prisão de Amanda Partata, suspeita do crime.
Os Danos
Em entrevista coletiva concedida no dia 21, o Delegado responsável pelo caso pontuou o seguinte:
“É injusto com qualquer pessoa, hoje foi com a Mariana, mas já tivemos vários casos no nosso país e até internacionalmente, de a pessoa ser condenada em segundos sem que ela tenha possibilidade de pelo menos se manifestar. É preciso cautela e que todo mundo se conscientize. Desde o começo, sabíamos que não era algo que saiu da empresa. A empresa cumpre regras sérias e controladas de produção.”
A dona da empresa, Mariana Perdomo relatou que “as lojas ficaram completamente vazias. Equipe completamente abalada, porque todo mundo sabe que precisa sustentar a família. São 200 colaboradores diretos, fora a quantidade de pessoas indiretas que dependem do nosso trabalho.”
Em um primeiro momento, com um olhar rápido e sem muito conhecimento sobre a velocidade que as coisas acontecem no mundo virtual, pode parecer que pouco tempo se passou entre a divulgação das mortes e o pronunciamento da Polícia Civil.
Porém, a verdade é que, uma vez divulgado um simples comunicado no instagram de uma pessoa considerada anônima (a médica, filha da vítima), mesmo que sem a citação do nome da Perdomo Doces, o que vimos em seguida foi a multiplicação de postagens atribuindo responsabilidade à empresa.
E essas postagens foram feitas primeiro por portais de notícias regionais, mas ao final do dia, todo o país já tinha conhecimento e opinião sobre os fatos. A empresa foi massacrada publicamente.
Outro fenômeno que ocorre nesse tipo de caso é a desproporção da velocidade (e quantidade) de propagação das más notícias, se comparada à divulgação dos desagravos que isentam a empresa de culpa.
Além do prejuízo financeiro decorrente da retirada dos doces das prateleiras e também pelo esvaziamento da loja, muito provavelmente a empresa também arcou com outros ônus decorrentes da crise pela qual passou, como por exemplo: a gestão da imagem nas redes sociais; a incerteza dos funcionários sobre o destino de sua empregadora; cancelamentos de contratos; os danos pessoais causados à empresária, etc.
O que diz a Lei
O artigo 186 do Código Civil diz que ”Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Por sua vez, o artigo 52 da mesma Lei determina que “Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”.
Com isso, o legislador estendeu à pessoa jurídica alguns dos direitos que são próprios da pessoa física: os direitos da personalidade.
Obviamente, alguns direitos da personalidade não podem ser estendidos à pessoa jurídica, pois são inerentes à pessoa humana. Assim, já existe um consenso na Jurisprudência, de que a pessoa jurídica sofre dano moral ao ter o seu bom nome e a sua reputação abalados.
A única discussão a respeito da possibilidade de a pessoa jurídica sofrer dano moral e ser indenizada por isso, diz respeito à configuração desses danos.
O caso da Perdomo Doces é um exemplo clássico de mácula da imagem de uma empresa aos olhos dos consumidores, dos fornecedores e dos funcionários.
Se a Justiça for provocada, caberá ao magistrado definir a extensão desses danos, quantificando-os com base em critérios como: o tamanho da empresa, a conduta dos agentes responsabilizados pelas divulgações, se houve ou não retratação e se ela foi ou não minimamente eficaz, o alcance das publicações, etc. São diversos os critérios que podem ser utilizados, já que a lei civil não define uma tabela de valores a ser seguida pelos magistrados, na fixação das indenizações por esse tipo de dano.
Além disso, é claro que é possível a responsabilização civil também por danos causados à empresária dona da marca.
Conclusão
Por mais que a responsabilidade civil por danos à pessoa jurídica seja um tema bastante sólido no direito brasileiro, ainda há diversas questões carentes de análises mais profundas e todas elas se referem à utilização da internet como meio de propagação das chamadas “fake news”.
Uma das maiores dúvidas a respeito do tema gira em torno da definição do responsável pelos danos.
No meu entendimento, as plataformas digitais, como o instagram, por exemplo, não devem ser responsabilizadas, exceto em caso de descumprimento de ordens judiciais. Ou seja: quando houver resistência das plataformas na retirada dos conteúdos danosos.
Mas em um contexto como o que analisamos, a responsabilidade deve ser atribuída a todos que publicaram, ainda que por compartilhamento, conteúdos que prejudicaram a imagem do estabelecimento. E isso se mede pelo potencial ofensivo da postagem, já que o dano moral propriamente dito não se prova, mas se presume.
De qualquer forma, acontecimentos como esse reforçam ainda mais o discurso do governo atual sobre a necessidade de “regulação das redes sociais”, seja lá o que isso signifique, em termos práticos.